Você não precisa de uma carreira

Você não precisa de uma carreira

Ouço muitas vezes os meus concorrentes aliciarem as suas pessoas falando em plano de carreira, ou o que é “melhor para a sua carreira”. Confesso que a questão da “carreira” sempre me fez confusão. Quando era estudante, tinha uma ideia do mundo corporate muito romantizada. Sonhava subir na “carreira” e ter sucesso subindo a escadaria de posições que as multinacionais normalmente advogam e vendem para aliciar os seus futuros recursos humanos.

Bastaram-me dois meses numa empresa cujos recursos humanos estão, a meu ver, excepcionalmente bem organizadas para perceber que a “carreira” não era para mim. Nesta empresa existiam dezassete (17) posições até ao topo da “carreira”. Isso mesmo, dezassete posições numa empresa onde a política era de que só poderíamos subir de escalão uma vez por ano. Feitas as contas, seriam 17 anos (se subisse todos os anos) até chegar ao topo. Confesso que fiquei profundamente desmotivado.

Afinal, porque teria que esperar 17 anos até que alguém me dissesse que produzia tanto como alguém que esta no topo? Porque teria que esperar subir estes escalões todos para poder ganhar o que achava que devia ganhar? Porque teria que restringir as minhas funções ao “job description” do escalão onde estava? Qual era afinal o propósito desta hierarquia? Sentir que é possível progredir na empresa?

O que é isto da Carreira?

Esta história da carreira é muito, muito recente. Pense um pouco. Os seus avós tiveram carreira? Também chegaram a “Partner” ou “Senior Manager” nas suas profissões e respectivas empresas? Não, pois não? Quanto muito, se tivessem participado numa grande empresa, teriam sido administradores ou directores. Mas não havia grande noção de “carreira”. A ideia da “carreira” vem de há pouco mais de 40 anos.

A carreira como a conhecemos, com múltiplos escalões, onde há sempre um próximo escalão para onde podemos evoluir é algo que fomos buscar aos militares. Isso mesmo. O General é o Director Geral, o Capitão o Gestor de Projecto, o Cabo é o Consultor Junior e por aí adiante. É uma ideia que fomos buscar a uma instituição onde a obediência não é questionada e onde o poder é instituído. E obviamente repetido como sendo a melhor coisa a seguir ao pão fatiado nas faculdades de gestão.

Há tanta coisa errada com a noção de “carreira” que nem sei por onde começar.

O Principio de Peter diz: “Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência.”. No contexto das Tecnologias de Informação esta verdade é ainda mais evidente. Quantos não conhecem excelentes programadores, excelentes técnicos, que de repente se vêem na situação de terem que passar a gerir equipas e passam a ser incompetentes? Perdem-se bons técnicos para se ganharem maus gestores porque as “carreiras” assim o exigem.

Depois temos a avaliação de desempenho. Quantas empresas não limitam as avaliações positivas de colaboradores porque depois não têm como promovê-las para o escalão seguinte? Afinal, a promoção para o escalão seguinte significa um aumento salarial ou prémio de desempenho e a empresa poderá nem sempre estar na melhor situação financeira.

Separar o feedback sobre o desempenho de um colaborador da sua revisão salarial faz com que se acabem com as cotas de boas notas que só limitam a motivação de quem recebe o feedback. Mata-se o progresso profissional de um colaborador em nome das cotas de promoções. Ridículo!

O crescimento e desenvolvimento pessoal como alternativa à carreira profissional

Em vez de procurar ter um nome bonito no seu cartão, procure o seu crescimento e desenvolvimento profissional. Sentir que está a evoluir e a fazer distinções que lhe permitam ter melhores resultados com menos esforço.

Procure perguntar-se se está a crescer na sua empresa/projecto actual? Se está a aprender novas competências? Novas ferramentas? Há quanto tempo não se sente a sair da zona de conforto?

A razão pelo qual temos sempre um desconforto com a avaliação de desempenho, seja ela qual for, é que ignoramos o facto de que não gostamos de ser definidos por ninguém. Não existem bons sistemas de avaliação de desempenho. Existem os menos maus.

Na RUPEAL, inspirei-me no Ricardo Semler da Semco para as hierarquias. Existem três funções na Semco, o Partner, os Managers de cada unidade e os Associates que basicamente é tudo o resto. Sempre que se precisam de chefias, as equipas formam-se naturalmente consoante quem tem mais Autoridade no momento. E a Autoridade é reconhecida, não é imposta. A coisa é muito, muito fluída. Se funciona em empresas grandes? Diria que sim dado os exemplos da Valve ou mesmo da Semco que têm mais de 500 colaboradores e também têm modelos de gestão “flat”.

Esqueça a ideia de ter uma carreira profissional. Comece a semear a ideia de que você vai precisar de crescer e aprender por si próprio para o resto da sua vida. As empresas vão e vêm. Não interessa o estatuto que lá temos. No mercado de trabalho o que prevalece é a sua capacidade de criar valor. E essa só depende da sua capacidade de lidar com as incertezas de quem sai da sua zona de conforto. Da sua capacidade de crescer.

Você não precisa de uma carreira.

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