Cultura de Gratidão

Cultura de Gratidão

Quantos de nós vivemos em ambientes empresariais onde passamos mais tempo a falar do que não temos, do que está errado e a “queixar-nos” da pessoa A, B ou C e raramente investimos tempo para agradecermos pelo que temos?

“A água do escritório não é a melhor!”
“O café que está na copa é uma porcaria!“
“A fruta não tem sabor!”
“A internet é lenta!”
“O novo escritório não fica perto para mim!”
“Não fui aumentado este ano!”
“O prémio deste ano foi fraco!”
“O meu chefe é uma besta”
“Aquele gajo é um inútil”
“Está tudo mal”

Seja porque motivos forem, acredito que não é fácil gerir um escritório e criar uma cultura de gratidão em vez de uma cultura de “direitos adquiridos”. É fácil descarrilar num ambiente de azedume se não incentivarmos os comportamentos que queremos e deixarmos claros os que não queremos.

Na RUPEAL temos três regras simples que todos devem saber e seguir, se quiserem manter o seu emprego por aqui:

  1. Dá o teu melhor
  2. Faz o que está certo
  3. Mostra que te importas

São três regras simples que servem para nos guiarmos e que acabam sempre por se desdobrar numa serie de comportamentos que quero no dia-a-dia das pessoas.

A Copa do Escritório

Faz por esta altura pouco mais de um mês que mudamos de escritório na RUPEAL e, curiosamente, a estreia do escritório foi feita sem mim. Estava em viagem pelo outro lado do mundo e não estava cá para ver a cara das pessoas quando entraram no nosso novo escritório.

O novo escritório, tal como o anterior, tem uma copa onde todos podem aceder para fazer as suas refeições diárias. A nova copa, como podem imaginar é bastante superior à anterior. Uma das medidas que disse para mim mesmo, é que não iria deixar acontecer o mesmo que acontecia no outro escritório:

  • Comida apodrecida no frigorifico;
  • Louça suja no lava-louça
  • Nenhuma responsabilidade por deixar limpo o que é seu.

Este comportamento no novo escritório tinha que acabar e era importante definir um novo standard para a nova copa. Na realidade, o investimento que fizemos no novo escritório representa exactamente isso, um novo standard para tudo o que fazemos dentro da empresa. Uma primeira decisão foi o da senhora das limpezas limpar todas as sextas-feiras o frigorifico e deitar toda a comida fora, seja ela de quem for.

O Responsável pela Copa

Outra ideia que surgiu-me enquanto estive fora foi a ideia de colocar alguém, todos os dias, responsável pela copa. A ideia seria todos os dias, uma pessoa que habita normalmente no escritório ficar responsável por limpar toda a copa. Nesse dia, iriamos demonstrar a 3ª regra, de que nos importamos pelos outros e cuidar da limpeza do escritório. Seria o dia em que, inevitavelmente, mostramos que nos importamos e fazemos algo que ninguém gosta de fazer.

Quando anunciei a medida, estávamos todos à espera que a EPAL ligasse a água e portanto a medida iria se iniciar quando tivéssemos água no escritório e que eu seria o primeiro a dar o exemplo e a tomar conta de todos.

Anunciei também, que os primeiros responsáveis seriam todos os homens da empresa, para darem o exemplo e cuidarem das mulheres no escritório. Isto, porque no outro escritório, acabava sempre por ser alguma das nossas senhoras a limpar a copa.

Sendo assim, a lista de pessoas começava por mim, depois pelo Duarte Fernandes, o Ricardo Fiel e ia passando por todos os homens até chegar às senhoras. Anunciei isto numa segunda-feira.

A Copa como Catalizador de uma Cultura de Gratidão

Após alguma reflexão minha sobre o feedback que me deram, percebi que estaria a perder uma excelente oportunidade de pôr em prática uma cultura de gratidão.

No dia em que a água foi finalmente instalada, reuni toda a equipa e expliquei-lhes que no dia seguinte iríamos começar com o processo, e como combinado, eu seria o primeiro a cuidar da copa. Acrescentei no entanto a segunda parte do processo que até então não teria revelado.

No dia em que alguém ficasse responsável pela Copa, a restante equipa teria que obrigatoriamente agradecer a essa pessoa por algo que a mesma tivesse feito. Nesse dia, o responsável pela Copa, era como se fosse o Rei/Rainha do dia e todos teriam que de uma forma ou de outra agradecer por algo que esta pessoa tivesse feito.

Podia ser por lavar a copa. Podia ser porque gostam de trabalhar com a pessoa e agradecer por algo em particular. Podia ser por estarem na equipa e por ser alguém com gostam de socializar. Fosse na forma de email, ou verbalmente, não interessava qual a razão, todos tinham que agradecer por algo nesse dia a essa pessoa.

A primeira semana

No 1º dia, como combinado, fui eu a tomar conta da copa. Um de dois comportamentos iria acontecer:

  1. Todos iriam deixar a sua parte limpa e a pessoa responsável não iria ter trabalho nenhum
  2. Todos iriam sujar ainda mais a copa e deixar tudo para a pessoa responsável limpar

Felizmente aconteceu o 1º. Não tive trabalho praticamente nenhum e a copa ficou limpa num instante. Os agradecimentos foram, tal como esperados, bastante tímidos e ouvi uns “Obrigados” meio que forçados e sobretudo no final do dia após confirmarem que eu tinha limpo a copa. Foi interessante ver, que só depois de confirmarem que tinha feito a minha parte é que agradeceram pelo que fiz.

No 2º dia, foi a vez do Duarte Fernandes e desta vez tomei as rédeas do processo e abri as “hostilidades”! Escrevi um texto bastante alongado com tudo o que me fazia sentir grato por ter o Duarte na equipa connosco. Escrevi com pormenores, contei algumas histórias que o Duarte tinha passado na empresa e dei um toque bastante sentido à mensagem. Tudo genuíno, claro!

Mandei por email, para toda a equipa no escritório. E esperei. O dia passou, o Duarte lavou a copa, e pouco a pouco no final do dia, alguns “Obrigados” começaram a surgir e algumas pessoas fizeram “reply” ao meu email acrescentando, com pouco ou nenhum detalhe, a razão pelo qual se sentiam gratos.

O 3º dia foi a vez do Ricardo Fiel, o nosso CTO e mais uma vez tomei a iniciativa de escrever um email bastante emotivo sempre focado naquilo em que me sentia grato por ter o Ricardo na equipa. Focar-mo-nos apenas no positivo, naquilo que realmente sentimo-nos gratos é uma tarefa mais difícil do que à partida possa parecer. Mais uma vez, uns obrigados meio tímidos e uns “replys” ao meu email pouco tímidos.

No 4º dia foi outra pessoa e o processo repetiu-se.

Reuni a equipa e fui conversar com eles. Pedi feedback sobre o que tinham sentido com os emails. A reacção foi emotiva. A algumas pessoas vieram lágrimas aos olhos, outros via-se que sentiam-se incomodadas e outras responderam que não estavam nada à espera dos emails e que gostaram do que leram. No global, percebi que o processo estava a ser positivo e alquímico.

A segunda semana

Na segunda semana, comecei novamente a iniciativa e desta vez foi o João Mauritti a cuidar de todos nós. A diferença, é que desta vez começaram a surgir mais emails, mais longos, a descrever com bastantes pormenores porque sentiam-se gratos pelo João fazer parte da nossa equipa.

A 6ª pessoa já não fui eu a iniciar os emails. Alguém da equipa tomou a iniciativa e escreveu o 1º email do dia sobre o Joaquim Torres. Seguiram-se imensos emails a demonstrar gratidão para o Joaquim. Quando contei os emails, praticamente a equipa toda deu-se ao trabalho de escrever uma mensagem para o Joaquim!

A sétima, oitava e nona pessoa a mesma coisa. Um enchurrilho de emails, alguns mais longos que outros, a focarem-se naquilo que apreciam nessas pessoas e porque sentem-se gratas por estas estarem com elas.

A Copa? Sempre limpa e a brilhar. As pessoas começaram a preocupar-se em ter tudo arrumado por não querem que a pessoa que está de serviço tenha trabalho.

A Cultura de Gratidão ficou instalada e um novo hábito iniciou-se. Hoje todos esperam um email de gratidão sobre alguém no escritório.

O teste à Cultura de Gratidão

Ontem os shared services enviaram um email a anunciar que tinham arranjado a máquina de café. O normal seria ninguém responder e usarem a maquina normalmente. Ontem foi diferente. Ontem todos responderam a agradecer à Ana Vieira por ter tido o trabalho de ir tratar de algo que beneficia a todos e que normalmente ninguém aprecia. O trabalho da Ana foi apreciado por todos em vez de ser um dado adquirido. Ontem a Ana sentiu o seu trabalho apreciado pelos seus colegas.

Trabalhar numa cultura empresarial de gratidão é alquímico! As pessoas transformam-se e começam a abrir e a mostrar o seu melhor sem receios. A equipa fica unida, todos ficam a conhecer-se independentemente de trabalharem ou não juntos diariamente. Todos beneficiam. Perdemos o medo de mostrar as nossas fragilidades porque sabemos que as nossas virtudes são reconhecidas e apreciadas.

Hoje foi o dia do Pedro Pereira Santos. Até a esta hora recebeu 12 emails bem longos e sentidos por quem os escreveu. Hoje é o dia dele. Hoje é o dia dele cuidar de todos nós e nós apreciarmos o que ele faz por nós.

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