Revisões salariais sem bullshit

Revisões salariais sem bullshit

No seguimento do artigo que escrevi sobre a minha visão de “carreira” recebi vários comentários, alguns positivos outros negativos e muitas questões levantadas.

Algumas questões que vi levantadas referiam-se, inevitavelmente, a salários, prémios, meritocracidade, entre outros temas que geralmente se confundem quando se fala de avaliação de desempenho e plano de carreira.

Outro dos pontos levantados teve a ver com a questão de não haver muitos técnicos a ganhar ordenados de gestores e que normalmente os planos de carreira é que obrigam os programadores a virem a ser maus gestores. E eu concordo como escrevi no primeiro post.

Foi sugerida uma solução de se criar um plano de carreira “ao lado”, uma carreira “técnica” para quem quer seguir um percurso técnico sem ter que ser gestor. Em tempos reflecti sobre esta possibilidade e hoje parece-me idiota. Se ter um plano de carreira é mau, porque é que ter dois haveria de ser melhor?

Qual o problema que os planos de carreira pretendem resolver?

A meu ver é só um: progressão salarial. O plano de carreira dá uma noção (ilusão) de progresso e de que há sempre um “next-step” financeiro se continuarmos a trabalhar de acordo com os objectivos da empresa.

Parece-me que é contraproducente ter colaboradores cuja principal motivação é saberem que podem progredir numa escada hierárquica e vir a ganhar mais dinheiro do que actualmente ganham. Isto quando existem tantos estudos que mostram exactamente o contrário, isto é, aquilo que um colaborador procura não é só salário. Pelo contrário, quando o salário de um colaborador atinge um patamar que cubra com uma boa folga todas as suas despesas, este deixa de ser relevante na motivação.

Vou mais longe. Em tempos aprendi com um dos meus mentores que Satisfação e Motivação são coisas completamente distintas. O salário e o que ganhamos está no lado da Satisfação e a Motivação está no que fazemos e somos no dia a dia. Podemos estar altamente satisfeitos e profundamente desmotivados. Conheço muitas pessoas que não mudam de emprego porque têm o seu salário como âncora e passam oito horas (às vezes bem mais) por dia infelizes.

Como ultrapassar a questão da progressão salarial?

Se não há plano de carreira e se apenas temos 3 níveis numa hierarquia como propus, como se ultrapassa esta questão salarial? Como se garante que as pessoas são pagas de acordo com o que produzem? Como saber o que esperar?

O problema dos aumentos salariais é que ninguém sabe quanto é que cada um ganha. Vá, podemos saber dos nossos colegas com quem temos mais confiança e falamos sobre o tema, mas a maioria das empresas faz por ocultar o salário de cada colaborador. É tabu falar-se de ordenados, prémios e afins.

Como não sabemos quanto cada um ganha, não temos noção se estamos a ser bem ou mal pagos. Suspeitamos pelo que vamos ouvindo falar. Muitas vezes são os rumores de que as chefias ganharam um prémio muito generoso ou um aumento de X por cento. Outras vezes é porque descobrimos que há um colega nosso que entrou ao mesmo tempo que nós, faz o mesmo que nós e ganha mais Y. Por não haver transparência é que estas questões surgem. E a desmotivação cresce.

Como fazemos internamente para superar este problema?

Na nossa equipa interna (ou seja, que está no escritório diariamente), todos sabem os ordenados uns dos outros. Os designers sabem quanto os seus pares ganham, quanto ganham as chefias, quanto ganha o CEO, quanto ganha a equipa de marketing e por aí fora. Não escondemos os valores uns dos outros.

Vamos mais longe até. Mostramos quanto custa cada um dos salários à empresa e ajudamos os colaboradores a perceber como chegamos a este valor, partilhando a folha de cálculo que usamos internamente. Está tudo lá discriminado.

Os resultados da empresa também. Isso mesmo. Os valores que cada unidade de negócio vende, as despesas que têm e a margem libertada também é publicada para todos consultarem. O colaborador tem acesso à informação toda. Pode ver quanto é que ele custa à empresa, quanto custam os seus pares, quanto ganham as outras pessoas e quanto a empresa liberta de margem.

Explicamos também (sempre que possível) que margem não é dinheiro. É uma teoria. Cashflow é real e explicamos a diferença destes conceitos de contabilidade para que as pessoas saibam exigir quando acham que têm que exigir. Ajuda os colaboradores também a saber pedir um aumento quando acham pertinente.

Como se processam as revisões salariais?

Todos os anos, em Janeiro, fazemos uma revisão salarial formal. Na prática, os gestores decidem qual o bolo financeiro bruto disponível para aumentos baseado no orçamento do ano e colocam à disposição da equipa para dividir como bem entenderem.

Isso mesmo. A equipa em conjunto, decide quem deve ser aumentado e em quanto. E aqui entra a parte que considero ser mesmo enriquecedora (mas muito dura, para mim pelo menos). Como todos têm acesso a quanto cada um ganha, fica ao critério de cada um propor quanto acha que deve ganhar e porquê. E cabe ao resto da equipa votar a favor ou contra e argumentar porque é que acha que devem ganhar mais/menos.

O que acham que está a acontecer naquele momento? Uma avaliação com feedback em tempo real. Pois é. Ali no momento estão a avaliar os seus pares e porque motivo é que deve haver alguém a ganhar mais ou menos do que essa pessoa.

Já faço este processo há três anos e os resultados são sempre diferentes e interessantes. Houve um ano no qual, numa das equipas, o designer foi quem teve o aumento maior e passou a ganhar mais que maioria dos programadores. Noutros anos os aumentos foram todos para a equipa de suporte e noutro os gestores e programadores séniores abdicaram do seu aumento para aumentarem a equipa de programadores mais juniores.

Os aumentos podem ser por razões completamente subjectivas e desconexas da avaliação de desempenho (na verdade, na minha opinião são sempre :-)). Podem ser porque uma pessoa contribui imenso para a equipa ou porque vai ser pai/mãe e a equipa acha que essa pessoa precisa de ganhar mais para estar focada no seu trabalho.

Tudo isto acontece num só dia, geralmente numa tarde que tiramos para o tema e a verdade é que durante o ano mais ninguém fala de salários ou aumentos. Não há conversas de corredor.

Infelizmente ainda não conseguimos aplicar este modelo a toda a empresa e apenas à equipa interna. No entanto, é minha vontade explorar este conceito noutros moldes com consultores que estão em regime de Outsourcing em clientes. Sugestões são bem-vindas para rui.alves@rupeal.com. 🙂

Então mas se não há plano de carreira quer dizer que há limite salarial?

Sim, claro que há limite salarial. O limite é definido por aquilo que a empresa pode gerar. E, surprisesurprise, o mesmo acontece em empresas com um plano de carreira bem definido. É alias esse o motivo pelo qual a grande maioria das empresas opta por ter cotas de progressão e subverte todo o processo de avaliação de desempenho. O que gera não só descontentamento e frustração, mas também perda de confiança no empregador, face de uma avaliação incongruente com a realidade, motivada por uma impossibilidade que está exclusivamente relacionada com o momento financeiro da empresa.

Vou mais longe e digo que, no caso da empresa estar a ter problemas financeiros, o problema também é encarado de forma aberta e discutido em grupo. Há colaboração e procura-se o consenso entre os participantes. Envolve-se a equipa na discussão dos problemas da empresa e procuram-se soluções que algumas vezes podem significar cortes em beneficios.

Naturalmente os gestores preparam a conversa e o tema antes de apresentarem à equipa e procuramos nunca falar de nomes de X,Y ou Z. Caso seja necessário reduzir no staff, procura-se que seja a equipa a chegar a essa conclusão.  São decisões duras que geralmente estão ao cargo dos ombros do gestor e que aqui são partilhadas e resolvidas em conjunto. Sempre que houve destas decisões na RUPEAL a equipa saiu mais forte e unida.

E os prémios de desempenho?

Os prémios de desempenho são determinados consoante a margem e cashflow operacional da empresa. Como todos sabem quanto a empresa ganha ou deixa de ganhar, é mais fácil saber quando podem ou não haver prémios.

O Ricardo Semler da Semco, em quem me inspirei para estes temas, é mais vanguardista do que eu. Ele partilha sempre 25% do valor libertado pelos seus colaboradores. Dá a liberdade deles escolherem como o valor é partido entre eles e em mais de 20 anos toda a empresa escolheu sempre dividir o bolo equitativamente. Todos ganham a mesma fatia do bolo. E a decisão é da equipa.

Eu reconheço que os colaboradores são o segundo accionista invisível (o primeiro, infelizmente, é o Estado) e sem dúvidas que ¼ de cota, sem ter risco, é bastante generoso. Eu espero lá chegar, mas primeiro precisamos de resolver o nosso problema de cashflow operacional.

Afinal de contas, uma coisa é verdade em todas as empresas, se o accionista não recebe prémios mais ninguém recebe. 🙂

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